sábado, 29 de agosto de 2009

MODOS DE TOCAR

Às vezes tu me tocas,
como quem dedilha
as cordas de uma harpa...
Ou, como quem zarpa
para uma ilha
no céu...
e estando a levitar
cria um castelo
no ar
que habita...!
Eremita
em doces vales,
barqueiro dos mares meus,
arqueiro de Deus
que usa dedos como flecha
salvando a vida em cada mecha
de cabelo que toca
com emoçao,
tu me tanges nessas horas
como quem semeia um grão
no paraíso
e tens, no tato, o riso
dos fiéis
durante a oração.
E então...
como quem faz prece,
ou como um menino
tocando violino
para peixes à luz do luar,
tu portas na mão
a ternura do algodào
que veste e abraça,
causando o estado de graça
de quem baila no ar,
tal fumaça
que voa devagar.

Mas , outras vezes...
tu me tocas como quem pisa
sem ver que, no solo, agoniza
a vida,
a pétala ferida
na brisa
do mar ...
Tu provocas o gemido
ouvido
em outro lugar
e o teu gesto é martírio,
exílio,
filho sem lar,
canto de ave desconhecida...
porque tocas
como quem extermina,
como o ladrão que tira
a boneca da menina
brincando no jardim...
Quando tocas assim,
tu ages como quem rasga
um pergaminho,
ou como quem derrama o vinho
guardado para o instante final...
Impedes a pastoral,
quando, ao tocar em mim,
tu imolas
e, imolando,
violas
a fada que pede esmolas
nas asas de um querubim.

Desse jeito,
tu trazes o desmazelo
de quem corta
e o desespero da enxada
que evoca
a vida
na terra morta,
és maldição sem apelo
de quem nem sabe o que toca.